Posicionamento: É urgente proteger a vegetação secundária na Amazônia

Posicionamento: É urgente proteger a vegetação secundária na Amazônia
fevereiro 16, 2024 Aliança Pela Restauração da Amazônia

(Sâmia Nunes – Instituto Tecnológico Vale – ITV, Danielle Celentano – Instituto Socioambiental – ISA, Joice Ferreira – Embrapa Amazônia Oriental, Ima Vieira – Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG, Marcelo Ferronato – ECOPORÉ, Mariana Iguatemy – Instituto Internacional para Sustentabilidade – IIS e Ricardo Rodrigues – ESALQ/USP são membros da Aliança pela Restauração na Amazônia)

A Aliança pela Restauração na Amazônia tem como missão articular múltiplos atores para a restauração de ecossistemas degradados na Amazônia, como estratégia integrada à conservação e com benefícios socioeconômicos compartilhados. Em 2020, a Aliança publicou um position paper onde traz 10 recomendações para a ampliação da escala da restauração na Amazônia, por meio de uma agenda positiva com foco no cumprimento e aprimoramento da legislação, do desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis e do engajamento de todos os setores convergindo neste sentido 1 . Todas as recomendações continuam atuais e relevantes, em particular a urgência no cumprimento das leis ambientais e a implementação de mecanismos legais e de políticas públicas que incentivam e orientam tecnicamente essas iniciativas.

O modelo econômico de uso da terra praticado na Amazônia é muito dinâmico, com vários ciclos de corte e regeneração, o que permite o crescimento de vegetação secundária (VS) através da regeneração natural em vários estágios de desenvolvimento. As áreas em processo de regeneração são essenciais para mitigar as mudanças do clima, pois absorvem carbono em altas taxas devido ao seu rápido crescimento, alcançando até 11 vezes a taxa de uma floresta primária 2 . A VS contribui ainda para mitigar a perda de biodiversidade 3 , restaurar os serviços ecossistêmicos, como qualidade dos solos e polinização. Além disso, ela constitui uma alternativa viável para o cumprimento da legislação ambiental brasileira, no que diz respeito à recomposição de florestas desmatadas ilegalmente.

Em 2017, a cobertura de VS na Amazônia totalizava 12 milhões de hectares – o suficiente para atender a meta brasileira de restauração em seus compromissos internacionais de mudanças do clima. Mas quase metade desta área na Amazônia possuía até 5 anos  – muito relacionado à prática de pousio, em que o solo é deixado sem uso por até 5 anos normalmente, para restaurar parte dos nutrientes – enquanto que apenas 13% possuía idade acima de 20 anos (1.5 Mha). A VS mais jovem, porém, sofre a maior pressão humana – 72% do desmatamento ocorreu em VS com até 5 anos de idade e menos de 10% do desmatamento em VS entre 11 e 32 anos. Ainda assim, a VS se mostrou um sumidouro de carbono na Amazônia, com um acúmulo de 8.9 Tg C por ano, em média.
Porém, governos e sociedade civil têm falhado em proteger essas florestas do desmatamento e da degradação, as quais não atingem idades mais avançadas, quando há maior armazenamento de carbono pela vegetação. Em sentido oposto à necessidade de manutenção da VS na região, vários retrocessos vêm sendo percebidos: i) o desmatamento em VS já superou o de vegetação primária desde o ano de 2010; ii) o 4° inventário nacional de emissões de gases do efeito estufa não considera o histórico de incremento e perda da VS; iii) o Projeto de Lei (PL) nº 686/2022, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), propõe permitir a supressão de vegetação secundária existente em área de uso alternativo do solo de imóveis rurais com RL preservada e identificada no CAR, sem a necessidade de autorização do órgão ambiental estadual (OEMA) competente, tema sobre o qual a Aliança também já se posicionou através de nota sobre os 10 anos do Código Florestal Brasileiro.

A Aliança pela Restauração na Amazônia entende que para que a vegetação secundária cumpra seu papel de sequestro de carbono, recomposição da biodiversidade e provisão de importantes serviços ecossistêmicos, uma série de medidas de ordem técnica e política precisam ser tomadas para permitir e favorecer a regeneração natural. As principais delas são:

● Avançar na criação de mecanismos e instruções legais, em nível estadual, que regulamentem a manutenção da VS, seus possíveis usos econômicos e/ou manejo sustentável – na Amazônia somente o estado do Pará possui legislação específica para proteger VS em propriedades rurais (IN n° 8, de 28 de outubro de 2015);
● Avançar no cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) – o Código Florestal – com normatização e incentivos para a regeneração natural da VS no âmbito dos Programas de Regularização Ambiental Estaduais (PRA);
● Ampliar e regulamentar os programas de pagamentos por serviços ambientais, inclusive através de créditos de carbono, como incentivo econômico à manutenção da VS em larga escala;
● Incluir a VS como prioridade nos programas estaduais e nacional de restauração da vegetação nativa, com diretrizes claras de seus possíveis usos econômicos e redução de passivo ambiental;
● Fazer cumprir os embargos das áreas desmatadas ilegalmente, de forma que esta possa expressar a regeneração natural e desenvolver a vegetação secundária – Em 2017, 87% dessas áreas embargadas estavam ocupadas com agropecuária e apenas 13% estava sob processo de regeneração natural 4
● Incorporar a dinâmica da VS na fiscalização e monitoramento dentro dos sistemas anuais e de alertas oficiais e não oficiais na Amazônia – poucos sistemas reportam anualmente o ganho e perda por idade de VS, e os dados são pouco conhecidos pela sociedade ou de difícil acesso;
● Evitar o vazamento (escape) do desmatamento em VS devido a instalação de projetos produtivos de recomposição, como os sistemas agroflorestais, silvicultura de espécies nativas e exóticas, entre outros, os quais poderiam ocorrer em outras áreas já desmatadas do imóvel – a prioridade deve ser a conservação da vegetação em regeneração;
● Aumentar investimentos em pesquisa e desenvolvimento para entender melhor a dinâmica e as características ecológicas desta vegetação secundária, assim como garantir o seu monitoramento, via instalação de parcelas permanentes para pesquisas de longa duração sobre regeneração natural em várias regiões;
● Promover campanhas educativas e de sensibilização vinculadas aos programas de comunicação e propaganda institucionais, acerca da relevância da VS para os serviços
ecossistêmicos e regularização ambiental de passivos de vegetação nativa em propriedades rurais;
● Incentivar e promover o manejo da VS, inclusive com plantios de enriquecimento da VS, onde for aplicável, e o potencial de geração de renda direta aos detentores de
áreas rurais, favorecendo a permanência e longevidade destas áreas nos agroecossistemas.

Nesse momento político onde (i) a restauração de ecossistemas está no centro dos debates internacionais relativos ao clima e à biodiversidade, (ii) há sinalizações importantes do governo federal para a retomada de políticas públicas para a recuperação da vegetação nativa e o cumprimento das leis, (iii) há uma movimentação dos estados para a elaboração dos seus planos de recuperação da vegetação nativa; e (iv) diversos financiamentos e investimentos para a restauração estão sendo anunciados, é urgente dar escala à regeneração natural e garantir a proteção da vegetação secundária na Amazônia. Nós, da Aliança pela Restauração na Amazônia, nos colocamos à disposição para dialogar com Governos e demais atores sobre métodos e caminhos para garantir uma regeneração natural eficiente. Entendemos que a vegetação secundária é a melhor opção para o Brasil atingir suas ambiciosas metas de restauração, com menor tempo e melhor relação de custo-benefício.

 

1 Aliança pela Restauração na Amazônia, 2020. Panorama e Caminhos para a Restauração de Paisagens Florestais na Amazônia. Position paper. Disponível em: https://aliancaamazonia.org.br/alianca/
2 GRISCOM, B. W. et al. Natural climate solutions. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 114, n. 44, p. 11645–11650, 31 out. 2017.
POORTER, L. et al. Biomass resilience of Neotropical secondary forests. Nature, v. 530, n. 7589, p. 211–214, fev. 2016.
3 Ferreira, J., Lennox, G. D., Gardner, T. A., Thomson, J. R., Berenguer, E., Lees, A. C., … & Barlow, J. (2018). Carbon-focused conservation may fail to protect the most biodiverse tropical forests. Nature Climate Change, 8(8), 744-749.
3 Ferreira, J., Lennox, G. D., Gardner, T. A., Thomson, J. R., Berenguer, E., Lees, A. C., … & Barlow, J. (2018). Carbon-focused conservation may fail to protect the most biodiverse tropical forests. Nature Climate Change, 8(8), 744-749.
4 Verissimo, VCS; Vieira, ICG,Galbraith et al. Marked non-compliance with deforestation embargoes in

the Brazilian Amazon Environ. Res. Lett. 17 054033