Tributação sobre sementes nativas pode inviabilizar metas de restauração do Brasil, aponta estudo

Tributação sobre sementes nativas pode inviabilizar metas de restauração do Brasil, aponta estudo
setembro 3, 2024 Cândida Schaedler

Nota Técnica, que teve apoio e revisão da Aliança, recomenda incentivos fiscais e isenções para impulsionar a cadeia da restauração no Plano de Transformação Ecológica e Planaveg

A produção de sementes nativas, essencial para a restauração de ecossistemas em grande escala no Brasil, enfrenta um grande desafio: a elevada carga tributária que incide sobre sua produção e comercialização. A Nota Técnica “Tributação da cadeia produtiva de sementes nativas para a restauração de ecossistemas no Brasil” foi elaborada pelo Redário, uma articulação composta por 26 grupos e redes de coletores de sementes de base comunitária, compostos por agricultores familiares, comunidades tradicionais, indígenas e assentados.

Liderada pelo Instituto Socioambiental (ISA), a Rede de Sementes do Cerrado (RSC) e outras organizações do setor, a NT explica as dificuldades enfrentadas e destaca recomendações, como a implementação de benefícios fiscais e isenção de impostos para produtores de sementes nativas e outros elos da cadeia da restauração. Estas propostas são muito pertinentes no âmbito do Plano de Transformação Ecológica (PTE) e do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), para habilitar o Brasil a cumprir suas metas de restauração já assumidas, na velocidade e na escala necessárias.

O documento foi revisado e apoiado pelo Comitê Técnico de Sementes Florestais (CTSF), e pelas redes biomaticas Pacto pela Restauração da Mata AtlânticaAliança pela Restauração na AmazôniaArticulação pela Restauração do Cerrado (Aracticum)Rede Sul de Restauração Ecológica e Rede para a Restauração da Caatinga (Recaa) e entregue em mãos nesta terça-feira (27/08), durante a reunião ordinária da Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (CONAVEG).

Apesar dos compromissos do governo brasileiro com relação a políticas públicas para alavancar o setor, a pesada tributação retarda o crescimento da produção de sementes para essa finalidade. São necessários incentivos fiscais para as sementes produzidas por povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, que são atualmente os maiores fornecedores de sementes para restauração ecológica no país.O cenário tributário do Brasil tem favorecido a agropecuária e ameaçado o cumprimento da meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.

Ao apresentar em detalhes os impostos que incidem sobre o comércio de sementes nativas, a Nota Técnica chama a atenção para a realidade tributária brasileira, que concede renúncias fiscais, subsídios e isenções para toda a cadeia da soja, inclusive suas sementesmas onera produtores de sementes nativas.

De acordo com o documento, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o tributo que mais impacta sobre o preço de sementes nativas. As alíquotas variam entre 7% e 22%, dependendo do estado brasileiro e da natureza da operação. Apesar do Convênio ICMS 100/1997, que prevê isenções e reduções para insumos agropecuários, incluindo sementes nativas, poucos produtores conseguem acessar esses benefícios, devido à burocracia envolvida.

Entre as principais justificativas para a flexibilização tributária está o fato que, embora existam sinalizações de que a reforma tributária em discussão neste momento trará regras mais favoráveis para a cadeia de sementes nativas produzidas por associações e cooperativas, estas entrarão em vigor apenas em 2033, quando a Década da Restauração de Ecossistema da ONU e o prazo das metas de restauração assumidas pelo Brasil já terão terminado há 3 anos.

“Considerando a importância social e ambiental desta atividade, esperamos que durante a transição entre os sistemas tributários, todos os governos criem mecanismos de flexibilização das regras atuais para desonerar a cadeia produtiva da restauração e apoiar o Brasil a atingir a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030”, diz a Nota.

Recomendações

Resultado de estudos detalhados de custos e tributações para o empreendedorismo na cadeia produtiva de sementes nativas para a restauração de ecossistemas no Brasil, a Nota Técnica propõe recomendações para melhorar esta situação no país.

Entre elas está a flexibilização das regras para a obtenção de isenções fiscais por organizações sem fins lucrativos e para adesão dos produtores ao Convênio ICMS 100/1997, que prevê isenção e redução do ICMS para insumos agropecuários. Além disso, sugere que os estados sigam o exemplo de Mato Grosso, que possui uma legislação específica para isenção de ICMS na comercialização interna de sementes nativas.

A Nota Técnica recomenda também que, durante a transição para o novo sistema tributário, os governos estaduais e federal adotem medidas urgentes para flexibilizar as regras atuais e desonerar a cadeia produtiva de sementes nativas.

“É crucial promover uma articulação eficaz entre governo federal, estadual e municipal. Essa colaboração deve focar na implementação de ações de fomento e incentivos econômicos, como isenções fiscais e tributárias, especialmente voltadas para produtores de sementes de base comunitária, incluindo povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIPCTAF). A concessão dessas isenções fiscais beneficiará o alcance das metas brasileiras de clima e biodiversidade e terá um impacto econômico reduzido nas receitas públicas, uma vez que se trata ainda de uma atividade econômica de menor escala”, pontua o documento.

Nesse contexto, o ideal para os produtores de sementes com a finalidade de restauração seria a aprovação de mecanismos específicos de isenção desses impostos pelo legislativo brasileiro, a exemplo da cadeia produtiva da soja.

Planaveg

A CONAVEG é responsável por coordenar as ações do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como objetivo restaurar 12 milhões de hectares até 2030. A apreciação do texto do Planaveg que irá a consulta pública e a definição do cronograma de tramitação aconteceram durante a reunião desta terça-feira. Sendo assim, a apresentação desta Nota Técnica na reunião é um passo importante para alinhar as políticas tributárias com as metas de restauração ambiental do país.

Fonte: Redário